Nesta exposição, a cerâmica e a porcelana são os denominadores comuns entre as artistas. O que é o mesmo que dizer que trabalham em parceria com o fogo. É a ele que submetem a argila, intensamente manipulada até atingir o que se deseja: cabeça, fruta, mão, uma vulgar caixa de fósforos, uma pequena pilha de biscoitos.
O elenco prossegue juntando coerência com surpresas. Exímias esmaltadoras, há muita cor nessas peças cujas superfícies varam do suave ao crespo, do lizo e reluzente ao relevo acidentado. Mas ao final há o fogo e nele é comum irromper o acaso – uma rachadura quase invisível, uma variação drástica de cor, entre outros -, que é o nome que se dá ao que não se consegue controlar. Seria possível estender-se sobre esse processo fundado no tato, na doma da argila, a ansiedade e a paciência na espera do resultado do diálogo entre a matéria e o fogo em seu arco de temperaturas, mas importa sublinhar o que separa essas artistas, suas poéticas.
Algumas obras de Ligia originam-se na maceração da memória, no que chega a sua memória por decantação, como a última imagem de um filme de Kurosawa, a cena imaginada do conde Tolstoy morrendo só, numa estação. As feições de suas cabeças expressivas remetem ás das suas primas, mas, repentinamente, sem que se pudesse prever, entre elas aflora a cabeça de Marielle Franco, assassinada. E as frutas, ah, as frutas de Ligia trazem consigo a cor da noite mais profunda e misteriosa, como quando estão adormecidas nas fruteiras.
A ideia de acidente afirma-se com a poética de Carina, voltada ao embaralhamento da pintura, escultura, objetos triviais e os jornais cujas manchetes inscrevem sua obra neste momento atormentado em que vivemos. A artista persevera sobre o estranho, levando-o até o insólito e dele ao repulsivo, como os pedaços de (quem sabe?) ossos, fatiados, exibindo suas vísceras; os revólveres, coloridos e filiformes como tripas. A aventura pelas formas corresponde á escolha pelo material, gesso, cerâmica e porcelana reviradas até o avesso.
Agnaldo Farias
Lígia Borba
Presenttes e Ausenttes, 2018
Cerâmica em alta temperatura, massas e vidrados variados.
50 esculturas com dimensões aproximadas de 14 x 22 x 16 cm cada
Lígia Borba
Conto Russo I (A Fuga), 2015/2017
14 baixos-relevos em cerâmica com massas e vidrados variáveis de alta temperatura, vidrados em raku, vidro fundido e desenho com grafite
36 x 45 cm cada
Lígia Borba
Paisagem com Nuvens, 2016/2017
Cerâmica com vidrado de raku; pintura automotiva.
32 objetos com dimensões variadas, máxima de 70 x 45 x 35 cada
Lígia Borba
Escada, 2015
Cerâmica e vidro fundido em alta temperatura
22 objetos com 34,5 x 14 x 7,4 cada
Lígia Borba
Concurso das Belezas Atuais do Bairro do Prazer, 2017/ 2018
Cerâmica policromada com vidrados de alta temperatura. Três painéis, cada um construído com 5 módulos de 26,5 x 42 cm, resultando em painéis independentes com 132,5 cm cada
Lígia Borba
Quimono, 2016/2017
Porcelana em 1230 graus e cerâmica vidrada em 1300 graus em atmosfera redutora
12 painéis planos com 24 x 38 cm cada; 3 painéis com 19 x 19 cm cada
Lígia Borba
Conto Russo II (Paraíso), 2016
Faiança, 6 altos-relevos em cerâmica vidrada em alta temperatura
50 x 22 x 7 cm cada
Lígia Borba
Água, Água, 2016
Cerâmica e vidro fundido em 1200 graus
14 baixos-relevos com 36 x 31 cm cada
Carina Weidle
Sacos de Farinha, 2016
Cerâmica colorida
29 x 19 x 12 cm cada (4 unidades)
Carina Weidle
A Casa Negra, 2013
Cerâmica vitrificada, com aplicação de lustres metálicos e esmalte esponjoso (vulcânico)
88 x 52 x 8 cm
Carina Weidle
Relevo com máquina de escrever, 2018
162 x 162 cm
Carina Weidle
Fiat Lux, 2012
Porcelana colorida e vitrificada
30 x 21 x 10 cm
Carina Weidle
Relevo mão e degrau, 2018
Conjunto de 2 modelagens de degraus com mão cortada ao meio, com recheio de argilas e porcelanas coloridas
44 x 32 x 18 cm cada
Carina Weidle
Relevo n. 1 (alça cortada), 2018
Cerâmica Vitrificada, dividida em 4 módulos
76 x 52 cm
Carina Weidle
Saboneteiras, 2013
Porcelana com esmalte vulcânico, e com depósito de vitrificado
15 x 9 x 8 cm cada
Carina Weidle
Bernardino, 2013
Cerâmica colorida
18 x 13 x 12 cm
Museu Oscar Niemeyer, Curitiba/PR – de 26/4 a 09/9/2018
Fotos: Gilson Camargo
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