Esperando Godot | Teatro Oficina/SP

Uma estrada de terra. Uma árvore. Entardecer.
Estragon – sentado em uma pequena elevação – está tentando tirar sua bota. Ele a empurra com as duas mãos, ofegante. Desiste, exausto. Descansa, tenta novamente. Mesmo jogo.
Entra Vladimir.

Fotografia Gilson Camargo
Marcelo Drummond e Alexandre Borges como Estragon e Vladimir em “Esperando Godot”.

ESTRAGON (desistindo novamente): Nada a ser feito.
VLADIMIR (avançando em passos duros e curtos, com as pernas bem separadas): Estou começando a concordar com essa opinião. Por toda a minha vida tentei me manter distante dela, dizendo-me, Vladimir, seja razoável, você ainda não tentou de tudo. E recomeçava a luta. (Ele medita, considerando a luta. A Estragon.) Então aí está você de novo.
ESTRAGON: Estou?
VLADIMIR: Estou feliz em vê-lo de volta. Pensei que tivesse ido para sempre.
ESTRAGON: Eu também.
VLADIMIR: Juntos outra vez, finalmente! Temos que celebrar isso. Mas como? (Ele reflete.) Levante-se para que eu possa abraçá-lo.
ESTRAGON (irritado): Agora não, agora não.
VLADIMIR (ofendido, frio): Pode-se perguntar onde Vossa Alteza passou a noite?
ESTRAGON: Em uma vala.
VLADIMIR (admirado): Uma vala! Onde?
ESTRAGON (sem gestos): Por aí.
VLADIMIR: E eles não lhe bateram?
ESTRAGON: Se me bateram? É certo que me bateram.

Gilson CamargoRoderick Himeros como Felizardo em “Esperando Godot”.

POZZO: Em frente! (Ouve-se um chicotear. Pozzo aparece. Eles cruzam o palco. Lucky passa por Vladimir e Estragon e sai. Pozzo, ao ver os dois, pára. A corda se estica. Pozzo a puxa violentamente.) Volte! (O barulho de Lucky caindo com toda a sua bagagem. Vladimir e Estragon olham em direção a ele, divididos entre a vontade e o medo de ir ajudá-lo. Vladimir dá um passo em direção a Lucky, Estragon o segura pela manga.)

POZZO: Tenham cuidado! Ele é malvado. (Vladimir e Estragon viram-se em direção a Pozzo.) Com estranhos.
ESTRAGON (em voz baixa): É ele?
VLADIMIR: Quem?
ESTRAGON (tentando se lembrar do nome): Ahn… Hm…
VLADIMIR: Godot?
ESTRAGON: Sim.
POZZO: Eu me apresento: Pozzo.
VLADIMIR (a Estragon): De jeito nenhum!
ESTRAGON (timidamente, a Pozzo): O senhor não é o senhor Godot, senhor?
POZZO (numa voz terrível): Eu sou Pozzo! (Silêncio.) Pozzo! (Silêncio.) Esse nome não lhes diz nada? (Silêncio.) Eu lhes pergunto se esse nome não lhes diz nada!
Vladimir e Estragon entreolham-se, interrogando-se.
ESTRAGON (fingindo procurar): Bozzo… Bozzo…
VLADIMIR (a mesma coisa): Pozzo…
POZZO: PPPOZZZO!
ESTRAGON: Ah, Pozzo… Deixe-me ver… Pozzo…
VLADIMIR: É Pozzo ou Bozzo?
ESTRAGON: Pozzo… Não… Acho que não… Não… Me parece que…

Fotografia Gilson Camargo
Ricardo Bittencourt como Pozzo em “Esperando Godot”.

POZZO: As lágrimas do mundo têm uma constância inabalável. Para cada um que para de chorar, em algum outro lugar outro começa. O mesmo vale para o riso. Portanto não falemos mal de nossa geração. Ela não é mais infeliz que as anteriores. Não falemos bem, tampouco. Não falemos nada sobre isso. É verdade que a população tem aumentado.

Teatro Oficina, São Paulo, 02/06/2022
Fotos: Gilson Camargo

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